A Fazenda Taperinha, em Santarém (PA), é conhecida mundialmente por sua contribuição em pesquisas de história natural nos séculos XIX e XX, através de relatos de inúmeros viajantes e pesquisadores que passaram pela antiga propriedade de Miguel Antônio Pinto Guimarães, o Barão de Santarém. O lugar está no imaginário de todo bom apreciador de ciência e história e a visita não poderia ser mais prazerosa, realizada em uma cicloviagem no sábado, 26 de setembro de 2020, promovida pela Muriki Cicloturismo.
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Iniciamos o pedal às 6h, o clima chuvoso deu o tom de aventura. Subimos a Serra Diamantino pela PA-370 e seguimos até a Comunidade Tipizal, onde entramos em uma estrada de terra e passamos pelas comunidades de Poço das Antas, São Francisco da Cavada, Murumuru, Quilombo Tiningu e Ipaupixuna. Pedalamos 66 km em mais de 4h, segundo o Strava. Entre subidas e descidas, areia, pedras, poeira e lama, a paisagem começou a mudar e ao entrar na propriedade percebemos que estávamos cercados pela floresta, em um caminho com raízes e folhas. Foi cansativo, mas pedalar por esse ambiente foi recompensador e mais ainda parar e mergulhar em um igarapé… Seguindo a cicloviagem nos aproximamos da sede da fazenda, o famoso casarão colonial, pintado de branco que marca a paisagem do Paraná do Aiaiá. O acesso à Fazenda Taperinha por estrada é com dificuldade, considerando os inúmeros acidentes geográficos do caminho, por isso normalmente o percurso seria feito em embarcações através do Lago do Maicá e Rio Ituqui, dois braços do Rio Amazonas.
Ao chegarmos fomos recepcionados por Rui Hagmann, um dos herdeiros da propriedade e descendente de Gottfried Ludwig Hagmann. Suco de caju foi o welcome drink e o cajueiro frutificado na frente da casa mostra o quanto o solo é fértil por aqui.
É curioso adentrar o casarão. Uma viagem no tempo, pois alguns móveis ainda remetem ao início do século passado. Na sala existem fotografias antigas, uma maneira de recordar os vários ciclos que a Taperinha vivenciou nesse passado recente desde o Barão de Santarém até os herdeiros da Família Hagmann. E aqui começamos as explicações históricas:
A Fazenda Taperinha possui uma área de 4.800 hectares. Pertenceu a Miguel Antônio Pinto Guimarães, o Barão de Santarém, que construiu o casarão e engenho em meados de 1860 , em sociedade com o imigrante norte-americano Romulus J. Rhome. No engenho trabalhavam pelo menos 30 escravizados que produziam açúcar e cachaça, o lugar tinha uma roda d´água, movida através de um desvio em um igarapé da propriedade, substituído anos mais tarde por um moinho a vapor, uma novidade na época. Após a morte do Barão em 1882, o lugar ficou abandonado e em 1911 foi adquirido pelo cientista e naturalista alemão Gottfried Ludwig Hagmann.
A fazenda tem tradição na produção de ciência e a família Hagmann protagoniza essa vocação natural com várias iniciativas, entre elas, a instalação em 1914 da primeira estação meteorológica do Oeste do Pará. No arquivo encontram-se fichas com informações da precipitação pluvial, isto é, das chuvas na localidade e da régua milimétrica do nível do Paraná do Aiaiá. O acervo documental é tão importante que também existem dados meteorológicos do Rio de Janeiro, onde foi construída a primeira estação do país, na residência do pioneiro da meteorologia, Sampaio Ferraz. E de outras estações, como a da praia de Salinas, a primeira do Pará, montada em 1910. Ou seja, os dados são homogêneos e permitem uma análise até 1981. Atualmente a estação da Taperinha foi revitalizada pela Universidade Federal do Oeste do Pará e está automatizada, com sensores de perfil de vento e outros sensores de alta resolução para o monitoramento agrometeorológico e meteorológico.
E se a história recente dos moradores da fazenda chama atenção, podemos ir um pouco mais ao passado e encontrar vestígios arqueológicos nas terras da Taperinha. Não à toa, o lugar foi visitado por naturalistas como Joseph Beal Steere, Charles Hartt, João Barbosa Rodrigues, Herbert Huntingdon Smith e W.A. Schulz, entre outros. E mais recente, na década de 1980, a arqueóloga norte-americana Anna Roosevelt, escavou os famosos sambaquis da propriedade.
Os sambaquis da Taperinha foram escavados pela primeira vez 1870 por Charles Hartt e até hoje representam um dos maiores achados arqueológicos do Brasil. Essa ocupação primitiva na região, segundo os pesquisadores, tem entre sete e oito mil anos e apresentam restos de peixes, crustáceos, moluscos, cerâmicas, utensílios utilizados para alimentação e para cerimônias. O sambaqui que vistamos fica bem próximo do casarão, cerca de 300 metros. É uma elevação com mais de quatro metros de altura de onde “brotam” conchas. A vontade é de escavar e ficar horas ali tentando compreender a riqueza que esse tipo de assentamento humano possuía. E nesse contexto, entender de fato como essas sociedades passadas viviam e o que aconteceu com esses nossos ancestrais.
Incrível, né? Diria que inexplicável e em certos momentos, emocionante. A cicloviagem até a Fazenda Taperinha trouxe uma noção de ciência e história que particularmente jamais imaginava que estivesse tão próxima. E isso precisa ser valorizado, divulgado e registrado!
Dica do FB: A Fazenda Taperinha é uma propriedade privada e para visitar é preciso autorização da família Hagmann.
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A experiência é de turismo científico. A Fazenda Taperinha tem uma vocação de auxílio à ciência e história, além da produção acadêmica em diversas áreas, uma ligação entre o passado e o presente, como inspiração para reflexões pessoais e coletivas.
Com informações da Embrapa, Revista Pesquisa Fapesp e Ensinar História