Temas de debates acalorados ao longo de décadas, a grafia correta do Sairé é uma das grandes questões que geram discussões intensas no distrito de Alter do Chão, em Santarém (PA). Mas é importante observar o básico nessa questão: a tradição dos povos originários é essencialmente transmitida pela oralidade. Foi apenas após a invasão europeia que o Sairé passou a ser escrito e registrado na língua portuguesa, originalmente com “S”, afinal o colonizador não usaria uma grafia incorreta.
Mas e aí, Sairé com “S” ou “Ç”? A verdade é que a grafia com “Ç” surgiu por causa da interpretação de um viajante em julho de 1872, o botânico João Barbosa Rodrigues que passou cerca de dois anos na região do Baixo Amazonas e acompanhou o Sairé realizado no bairro da Aldeia.
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Esse pesquisador achava que o Nheengatu, a mistura de várias línguas dos povos da Amazônia, estava errado e que o Tupi, falado pelos indígenas do litoral brasileiro, era o correto. Por isso, ele decidiu registrar “Sairé” com “Ç”. Ou seja, essa grafia é basicamente a vontade de um botânico carioca que pensou que nossos antepassados não sabiam como chamar a festa ancestral no próprio território deles.
Esse erro, inclusive, foi criticado por José Veríssimo, um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras (ABL). Em sua obra, ele fez uma das melhores descrições do rito tradicional e criticou as alterações que diversas lendas da Amazônia sofreram, modificadas propositalmente para se adequar às narrativas contadas no sudeste brasileiro.
De acordo com o historiador Padre Sidney Canto:
O erro de Barbosa, publicado em suas obras, foi reproduzido por outros autores e, em 1997, um grupo de pessoas, que desconheciam a origem do “Ç”, orientaram o ex-prefeito Lira Maia a fazer a troca na festa de Alter do Chão. A partir daí o uso do “Ç” deixaria de ser uma questão de grafia e passaria a animar as disputas políticas em torno da festa.